Tome um recipiente com a forma e tamanho desejado,
preencha-o com quantidade adequada de sal grosso, cubra o conteúdo com
uma lâmina de alumínio de espessura apropriada e leve ao forno. Quando o
metal atingir o estado pastoso, submeta o conjunto à devida pressão.
Deixe esfriar e submeta o produto a lavagens sob vibração constante até
que todo o sal seja eliminado pela dissolução no líquido.
Embora pareça uma receita culinária, as indicações
acima, guardadas as devidas diferenças, lembram um dos processos que
podem ser utilizados para obtenção de ligas metálicas porosas, que
constituem os chamados materiais celulares, em que, com a eliminação do
sal, os poros ocupados pelo ar contribuem para a diminuição da
densidade.
Esse tipo de trabalho é desenvolvido no
Departamento de Engenharia de Fabricação da Faculdade de Engenharia
Mecânica (FEM) da Unicamp em linha de pesquisa desenvolvida pela
professora Maria Helena Robert. Os metais celulares, cujo
desenvolvimento não tem mais de 20 anos, apresentam cerca de 30% do peso
dos metais maciços convencionais, dependendo dos processos utilizados
para a sua fabricação e dos fins a que se destinam. Já produzidos
comercialmente, embora em pequena escala, em países como Alemanha e
Japão, podem ser utilizados para a fabricação de componentes de veículos
automotivos com o objetivo de diminuir-lhes o peso e com isso reduzir o
consumo de combustível.
Apresentam ainda elevada capacidade de deformação,
o que lhes confere maior absorção de impacto do que os metais
convencionais. São ainda atenuadores de vibrações e isolantes acústicos e
térmicos, propriedades que ampliam seu espectro de utilização para além
da indústria automotiva.
A linha de pesquisa desenvolvida pela professora
Maria Helena, que se dedica tanto à descoberta de novos processos como a
de novos materiais, teve início há seis anos e é inédita no Brasil,
onde esse tipo de material é praticamente desconhecido. O grupo procura
processos de produção diferenciados dos já conhecidos e que requeiram
menores custos de produção e maior flexibilidade de produtos. Por isso,
usa o metal na forma pastosa e não líquida, como convencionalmente se
faz, que exige temperaturas mais altas.
Outra inovação adotada em termos de processo é a
utilização de cavacos de alumínio (raspas) resultantes da usinagem de
componentes fabricados com o metal compacto. Quanto ao desenvolvimento
de novos produtos, o grupo está pesquisando compósitos de baixa
densidade, que resultam da mistura de metal e material cerâmico poroso.
As ligas resultantes apresentam baixa densidade, alta resistência ao
atrito, além de propriedades isolantes térmicas e acústicas.
Os trabalhos abrangem o exame dos parâmetros
relativos a variações de condições e composições na obtenção do material
pretendido e envolvem ensaios físicos e mecânicos dos produtos obtidos.
A professora Maria Helena lembra que as ligas
celulares podem dar origem a espumas e esponjas. Nas primeiras, não há
comunicação entre os poros. As últimas, em que os poros são
intercomunicáveis, podem ser usadas também como filtros, eletrodos para
baterias e nos processos químicos de troca iônica. O grupo começa a
participar também de um convênio internacional para a pesquisa de
espumas para aplicação em aeronaves.
A docente enfatiza que a linha de pesquisa
desenvolvida no Departamento apresenta um potencial de aplicação enorme,
ainda a ser devidamente delineado, que vai além das aplicações nas
áreas de engenharia, automobilística, aeronáutica, química e de
biomateriais. “Trata-se de um campo relativamente novo no mundo e com
aplicações ainda restritas, principalmente aos poucos países que dominam
a tecnologia”, afirma.
Fabricação de componente
Pinheiro
esclarece que os materiais celulares estão se tornando uma alternativa
no desenvolvimento de estruturas mais leves e resistentes. As ligas de
alumínio estão à frente no desenvolvimento desses materiais em relação a
outras ligas como aços, por exemplo. As espumas e esponjas de ligas de
alumínio têm encontrado aplicações na indústria automotiva devido à sua
capacidade de absorção de energia em impactos e são utilizadas em partes
estruturais como pára-choques. O reduzido peso e a capacidade de
isolamento acústico e térmico apontam na direção de outros empregos.
O engenheiro explica que na fabricação de
materiais celulares a mais recente técnica é a da tixoinfiltração em que
a liga metálica (geralmente de alumínio) no estado semi-sólido é
infiltrada sob pressão entre as partículas de um agente bloqueador
inerte. O metal penetra nos espaços entre as partículas – daí o nome
bloqueador - que são removidas após a solidificação, gerando poros no
produto final ocupados pelo ar. O processo de tixoinflitração é
realizado em temperatura menor que a da fusão do metal, o que permite a
infiltração da pasta com menor gasto de energia em comparação com o
processo usual que utiliza o metal fundido. Este recurso utilizado por
Pinheiro já fora anteriormente desenvolvido e testado pelo grupo de
pesquisadores orientados pela professora Maria Helena.
Com o objetivo de avaliar a viabilidade técnica de
fabricação do espaçador do ventilador utilizando esse processo e sua
real utilização no motor de um trator, Pinheiro usou um molde metálico
especialmente projetado para o processo, sal grosso de granulação média e
a liga de alumínio A356.0, a qual contém 7% de silício. O produto
convencional é produzido por fundição da mesma liga. Necessitou de
temperatura de 610 graus Celsius para chegar ao estado pastoso (90 graus
menor que os 700 graus Celsius usados na fundição convencional da liga)
e aplicou 9 toneladas de pressão para obter a infiltração do metal. A
remoção do sal foi realizada através de lavagens sucessivas com água sob
vibração em equipamento de ultrassom. O produto foi submetido a
análises por tomografia computadorizada e microscopia eletrônica de
varredura para atestar sua qualidade metalúrgica. As pesquisas, os
ensaios dos materiais e a produção do componente foram realizados no
laboratório da orientadora e os testes em motor na empresa em que o
pesquisador trabalha, em Canoas (RS).
Para ele, “o mais importante é que desenvolvemos o
processo completo para a fabricação da peça real, desde o projeto do
molde para tixoinfiltração, as etapas de fabricação, as análises
metalúrgicas, os ensaios mecânicos até o teste no motor, ou seja, todas
etapas do desenvolvimento de um componente de motor o que não é usual em
trabalhos acadêmicos”.
A peça foi montada em um motor e este submetido a
testes em banco dinamométrico, que simula as condições de seu
funcionamento em rotação máxima. Os resultados mostraram, segundo ele,
que o componente desenvolvido no novo material pode apresentar em alguns
casos perda de carga em parte dos parafusos de sustentação da peça, de
maneira semelhante ao que pode acontecer na peça obtida de forma
convencional. No entanto, este problema pode ser resolvido alterando a
relação poro/metal.
Uma das vantagens do processo apontadas pelo
pesquisador é a possibilidade de obter uma peça próxima à sua forma
final, enquanto na fundição convencional o componente bruto necessita de
processos de usinagens posteriores para acerto dos detalhes que
permitem a montagem do componente no motor. O estudo lhe permitiu
constatar a redução de certas operações de usinagem, mas acredita que o
resultado pode ser melhorado até talvez a sua eliminação total, o que
configura uma outra economia significativa de mão de obra e energia.
Mais especificamente, Pinheiro diz que as
vantagens que o processo de fabricação do componente poroso apresenta
sobre o atual obtido por processo de fundição convencional são: menores
temperaturas de trabalho, o que implica em menores insumos energéticos;
possibilidade de eliminação de operações de usinagem, com obtenção de
componentes near net shape; e, principalmente, redução do peso do
componente (da ordem de 70%).
Ao final da pesquisa, Pinheiro concluiu que o
processo e produto desenvolvido são tecnicamente viáveis; que a
utilização do cloreto de sódio iodado como agente bloqueador (sal
grosso) é eficiente e que sua completa remoção é possível devido à
interconexão dos poros; e que as qualidades metalúrgica e física do
produto, além de seu acabamento e precisão dimensional podem ser
considerados aceitáveis para utilização no motor. Embora mais testes
sejam necessários para determinar estatisticamente o índice de
confiabilidade do processo de produção proposto, os resultados autorizam
afirmar que há viabilidade de utilizar um espaçador do ventilador com
estrutura celular e que o maior benefício resultante é a significativa
redução de peso.
Fonte: Jornal da Unicamp - 20/09/2011
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